domingo, 25 de maio de 2008

Avó

-Estás toda bonita.
-Foi a minha mãe.
-A tua mãe estraga-te. Já lanchaste? Tem lá dentro cenourinhas, bolos de arroz e daquelas bolachas que tu gostas.
-Húngaros?
-Isso...

-Ana Sofia, está a dar a novela.
-Vou já, Avó.
Eram os olhos azuis que harmonizavam a cara rosada que cozinhava a massa com cenoura e a sopa que eu tanto gostava.
Ganhava o dia quando a fazia rir, afinal tinha sido ela que me ensinara, em pequenina, a acalmar as borbulhas; que me ensinara...
"Anjo da guarda, minha companhia
Guardai a minha alma de noite e de dia".
-Obrigada pela visita, um beijinho ao Pedro e ao pai.
-Está bem, Avó.
(E nunca lhes entregava esse beijinho, mas despedi-me da Avó).


"Would you know my name if I saw you in heaven?
Would it be the same if I saw you in heaven?
Would you hold my hand if I saw you in heaven?"
(já lá vai meio ano.)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Rumo

Via-o partir, levado pelo metro, e ficava para trás com ânsia de mais. Era tudo tão rápido, mas tão profundo.
Depois ia embora, num vaguear apressado, trauteando musiquinhas com ritmos duvidosos (isto do Amor começara a torná-la pirosa, indo contra tudo o que pensava de si) e apercebia-se que percebera porque razão ele não gosta de chocolate.
Ao mergulhar naquele brilhozinho nos olhos via de que estes eram feitos; e deduziu, como se contasse um história, que ele já não precisava de mais, afinal já tinha a dose certa. E o sorriso... quando lhe sorria com ar de parvo dava vontade de lhe arrancar um pedaço de barba e levá-la para casa.
Eram aqueles minutos, por mais pequenos que fossem, que lhe faziam imaginar viagens sem rumo ("rumorumorumo") de mochila às costas, aldrabões destemidos e conversas com colheradas de gelado de caramelo com caramelo. Sonhos embalados por um gorro verde.

sábado, 3 de maio de 2008

Como nos romances a sério

O olhar dela voltara a brilhar como antigamente. Voltou a ter aquela estrelinha que tinha antes de partir para um lugar distante, que ela chegou mesmo a amar, onde se perdeu por infímas luzes.
Agora que vivia um dia de cada vez, saboreando o Sol e o Mar em fortes tragos, a sua pele escurecia levemente e tinha um novo cheiro a côco (como o dos biscoitos) que se acentuava nos dias de amuo quando ela se deitava na cama de maçãs.
Ele olhava-a assim, feliz, por entre as árvores, todas as manhãs, enquanto o vento tilintava o espanta-espíritos. Depois sentava-se na soleira da porta (ela rangia como as dos castelos das princesas), puxava do pensativo cigarro e em cada fio de fumo que lançava para dançar no ar via as carícias que lhe fazia com as pontas dos dedos enquanto esperava, sem pressas, que ela adormecesse nos seus braços, tal como haviam sonhado em outras quimeras. Recordou a noite que nenhum conseguia esquecer; repleta de risos, atrasos e bebidas («feérica!» - dizia ela), em que a tinha visto como uma fada envolvida em tanta música.
Era manhã de bons ventos, ela apareceu entre as cortinas de linho branco, quase sem se notar, com duas canecas coloridas nas mãos; trazendo, por carolice, a candura e a pureza no seu vestido fresco e um sorriso de «Bom dia!» nos lábios de ouro.
Quando a viu chegar, levantou-se, apagou rapidamente o cigarro e procurou os sapatos vermelho brilhante, mas só a encontrou descalça com ar de quem pergunta «Porque é que estás a olhar assim para mim?»
-Já estavas aí há muito tempo?
-Não, estava aqui a ver-te fumar, tinha curiosidade... Café?
Estendeu desastradamente a mão pequena ornamentada pelas pulseiras da sorte tentando não entornar nada.
-Sim, obrigado. Não estás a beber café, ou estás?
-Não - sorriu- nesta caneca só pára leitinho.
-O que foi?
-Quero olhar para nós.
-Como?
-Nos teus olhos.
-Porquê?
-Porque somos felizes.
Abraçou-a como se quisesse guardá-la nos seus braços, bem juntinha ao coração e deu-lhe um beijo na testa, daqueles que só ele sabe dar. Um ar, uma brisa, quem sabe, com todas as cores, intensidades e sentidos corria entre eles e, rebelde, brincava com os cabelos dela, como nos romances a sério.
-Sentiste?
Era o Amor que passava por eles, sem saber o que isso era.